top of page

A perda da inocência em “O Ouriço no Nevoeiro”


Famoso e premiado curta de animação, criado por Yuri Norstein (1975), a obra “O ouriço no Nevoeiro” recebeu em 2003 a palma de melhor desenho animado de todas as épocas e povos. Conta a história de um ouriço que parte ao encontro de seu amigo urso para contar estrelas, tomar chá e comer geléia de framboesa, mas acaba se perdendo em meio a um denso nevoeiro na floresta.


Segundo a psicoterapeuta analítica e pesquisadora Marie Louise Von Franz (2021), contos se pautam em uma estrutura na qual há um personagem central que deve enfrentar obstáculos, conflitos, e injustiças, superando o mal. Dessa maneira, contos refletem estruturas básicas do comportamento psicológico humano. Essas histórias tratam de temáticas universais relativas as emoções humanas, e trazem, em geral, uma vasta possibilidade de leituras e percepções simbólicas. Assim, o que vou apresentar nos próximos parágrafos é apenas uma das possibilidades de leitura sobre esse curta de animação, analisando-o sob a ótica da perda da inocência.


O ouriço parte para seu habitual passeio ao encontro do amigo urso. No entanto, ao longo de sua jornada encontra situações e personagens, por vezes sombrios, que provocam transformações e fazem com que, no final, o ouriço não seja mais o mesmo.

Ao longo de sua jornada, o simpático personagem vai perdendo a sua inocência, sente medo em certos momentos, mas a curiosidade e a determinação o fazem continuar, mesmo em meio a escuridão e solidão. O ouriço parece se perder não apenas em meio ao nevoeiro, mas em si mesmo. A princípio isso pode soar como algo ruim. No entanto, é por meio dessa perda em si mesmo que o protagonista tem contato com seu eu mais profundo. Podemos imaginar que a figura do cavalo simboliza esse contato profundo.


O cavalo, mitologicamente falando, está associado, entre outros, à ideia de passagem da alma para o mundo dos mortos. Essa morte, típica da jornada do herói, não é literal, mas sim uma metáfora, assim como a descida de Orfeu ao reino de Hades (reino dos mortos) numa tentativa de não do Self de renascer. Entrar no reino dos mortos significa morrer para então renascer, simbolicamente, para o novo. Essa viagem dá início ao processo de individuação, que se relaciona com uma busca aprofundada de conhecimento e que abre caminho para que se possa ser aquilo que se nasceu para ser.


No final, ao encontrar o amigo urso, não conseguiu mais agir da mesma forma. É como se ele tivesse sido tomado por uma certa nostalgia que a princípio pode parecer triste e quase depressiva, mas podemos imaginar que era necessária como em toda jornada do herói. Ao se preocupar com o que teria acontecido ao cavalo branco (morte simbólica), o ouriço se abre para a possibilidade de deixar seus vínculos, heranças e memórias para trás e dar espaço para um contato profundo consigo mesmo, descobrindo assim o sentido da vida.

Confira abaixo a animação na íntegra (com legendas em inglês). Para legendas em português, acesse: https://www.youtube.com/watch?v=cJDm_PCNnqQ


Há diversas possibilidades de leitura e análise desse conto. O que você sentiu / percebeu assistindo essa animação?


*Lucrécia Aída de Carvalho é psicóloga clínica (CRP 08/32077) de orientação junguiana, especialista em Antropologia Cultural e mestranda em Psicologia na linha de pesquisa violência & sociedade. Oferece psicoterapia (individual e grupal) para adolescentes e adultos. Trata de questões como ansiedade, depressão, autoestima, traumas e criatividade, propiciando insights profundos e libertadores. A Psique & Descobertas oferece cursos, palestras e workshops sobre psicologia, saúde mental e sua relação com arte, cultura e sociedade. Para mais informações à respeito de valores e agendamentos, entre em contato pelo e-mail psiqueedescobertas@gmail.com ou pelo WhatsApp: 41 999967560.


Referências:

Von Franz, M.L. (2021). A sombra e o mal nos contos de fadas. 2ª Edição, São Paulo: Paulus.

Comments


bottom of page