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Mandalas: arte, simbologia & inconsciente


Mandalas acompanham a humanidade desde os tempos primitivos, sendo consideradas símbolos da totalidade do ser, do equilíbrio interno. Por serem extremamente fascinantes e ricas em simbologia, serão temática recorrente aqui no blog. Vamos falar de mandalas em diversos aspectos e diferentes contextos. Hoje trago um foco mais antropológico para as mandalas, sem esquecer, é claro, da psicologia e a arte que são as linhas mestres de todo esse blog.


No que se refere a arte, Marcel Mauss, sociólogo e antropólogo francês, mostra que existe uma estética comum, quase que um ritual na expressão dos sentimentos. Nesse caso, a arte seria como uma linguagem onde o indivíduo comunica aos outros e a si próprio aquilo que sente, de maneiras que são socialmente compreendidas. Olhando pelo lado da troca e da dádiva (ponto considerado por Mauss como focal nas sociedades) a arte poderia ser considerada como um dos mais preciosos presentes àqueles que a recebem, pois dar algo de presente seria como dar algo de si ao outro, e no caso, a arte é uma das expressões máximas da individualidade.


Se considerarmos que a dádiva, apesar de parecer livre de segundas intenções, tem na verdade um caráter de obrigatoriedade e dependência, então de certa forma, estaríamos em dívida ao contemplar uma obra de arte da qual gostamos, sem poder retribuir, exceto pelo reconhecimento. Isso mostraria um poder do artista sobre os outros. E mesmo se pagarmos para ter a obra de arte, ainda assim não conseguiríamos superar o valor da dádiva recebida.

Para Mauss, a emoção pode ser entendida como uma totalidade em que aspectos fisiológicos, psicológicos e sociais são fundidos numa só realidade. Por exemplo, esses aspectos são a base de uma Mandala, que expressa crenças, anseios e emoções através de simbologia. É o manifestar-se a si, exprimindo aos outros, por conta dos outros.

O antropólogo Lévi Strauss explica que os "primitivos" não ordenam conceitos e idéias abstratas presentes em sua cultura, mas apresentam os elementos que compõe sua cultura através de plantas, animais, ruídos, cores, minerais, etc.. para deles fazerem um conjunto que tenha significado, uma história, um mito.

Em seus estudos sobre a arte, Lévi Strauss considera importante o inconsciente por trás da obra. Para ele a antropologia deve estudar a natureza inconsciente dos fenômenos naturais, através da linguagem e das instituições humanas para tentar encontrar uma lógica, uma estrutura mental do inconsciente. Em suas pesquisas, Strauss busca elementos universais na atividade do espírito humano, comuns a todas as sociedades, presente em todas as épocas. Para provar sua teoria, ele estuda diversos mitos de diferentes culturas, e nelas busca pares de oposição. Ele vê proximidade entre a análise estrutural e a psicanálise ao pensar na cultura como um sistema de símbolos (com destaque para a linguagem), porém, acha que elas divergem quando o assunto é a realidade (cada símbolo possui um único significado) ou a relatividade dos símbolos (o significado de um símbolo varia dependendo do contexto em que está inserido).


Carl Gustav Jung, psiquiatra e psicoterapeuta criador da psicologia analítica, nos apresenta a ideia de que a mente contém um reservatório de imagens coletivas que o homem acumulou desde eras primitivas quando a psique do homem e do animal andavam juntas. Para Jung os arquétipos são modelos que se repetem com diferentes variações através dos tempos. Jung crê que os antigos espíritos que tomavam posse do homem primitivo ainda existem; essas forças do irracional ainda não estão sob o controle da consciência e o homem moderno não consegue controlá-las. A arte, entre outros, teria o propósito de servir ao homem como forma de compreensão do funcionamento de sua psique através do reconhecimento de imagens e símbolos herdados de seus ancestrais.


Jung usou a palavra hindu "mandala" (círculo mágico) para designar esse tipo de estrutura, que pode ser compreendida como uma representação simbólica do átomo nuclear da pisque humana. Para Jung as mandalas são como instrumento conceitual para analisar e assentar as bases sobre as estruturas arquetípicas da psique humana. Ele considerava que o comportamento humano se molda de acordo com duas estruturas básicas da consciência: a individual e a coletiva. A primeira se aprenderia durante a vida em particular; a segunda se herdaria de geração em geração.

Jung introduziu na psicologia o termo mandala para designar uma representação simbólica da totalidade. Originalmente criadas em giz, as mandalas são um espaço sagrado de meditação. Normalmente divididas em quatro seções, pretendem ser um exercício de meditação e contemplação. No processo da construção de uma mandala, a arte transforma-se numa cerimônia religiosa e a religião transforma-se em arte. Quando a mandala está terminada, apresenta-se como uma construção extremamente colorida. Depois do ciclo é desmanchada, a areia é depositada, geralmente, na água. Apenas uma parte é guardada e oferecida aos participantes.


Mandalas podem ser compreendidas como círculo mágico, símbolo do centro, da meta e do si-mesmo, enquanto totalidade psíquica, de centralização da personalidade e produção de um centro novo nela. Ela seria a imagem e o motor da ascensão espiritual, que procede de uma interiorização cada vez mais elevada da vida. É ainda através de uma concentração progressiva do múltiplo no uno que o eu pode ser integrado no todo e o todo reintegrado no eu. Jung recorre à imagem da mandala para designar uma representação simbólica da psique, cuja essência nos é desconhecida. Observou que essas imagens são utilizadas para consolidar o mundo interior e para favorecer a meditação em profundidade. Entre as representações do Self, quase sempre encontramos a imagem dos quatro cantos do Mundo, com um centro de um círculo dividido em quatro. Um interessante exemplo são os “Olhos de Deus”, um tipo de mandala feita pelos índios Huichol do México e dos índios Aymara da Bolívia:



Esses artesanatos indígenas simbolizam uma prece para saúde, felicidade e prosperidade. São objetos sagrados, oferendas que se fazem aos deuses para pedir proteção e o bom crescimento das crianças. Geralmente o olho de deus é tecido pelo pai quando a criança nasce. A cada aniversário, um novo olho é tecido, até a criança completar 5 anos. A partir de então, ela estará preparada para tecer seu próprio olho de deus e fazer seus próprios pedidos aos deuses.

Na língua Huichol, o Olho de deus é chamado de Si’kuli e significa: “O poder de ver e compreender as coisas desconhecidas; ver as coisas como elas realmente são”. As mandalas feitas pelos Huichol se popularizaram, e hoje são reproduzidas por amantes de mandalas e artesanato, muitas vezes com intenção comercial, em toda América Latina. São consideradas como arte, porém em sua essência tem uma característica simbológica religiosa, servem como amuleto, acompanham e protegem a vida toda de um índio Huichol, sendo que cada olho tecido marca ritos de passagem.


Você sabia? O uso das mandalas pode ser um recurso maravilhoso no processo psicoterapêutico, sendo muito utilizado na psicologia analítica (ou junguiana). Se você tem interesse em ampliar seu autoconhecimento fazendo o uso de mandalas, entre em contato pelo psiqueedescobertas@gmail.com ou 41 999967560.


*Lucrécia Aída de Carvalho é psicóloga clínica (CRP 08/32077) de orientação junguiana, especialista em Antropologia Cultural e mestranda em Psicologia na linha de pesquisa violência & sociedade. Oferece psicoterapia (individual e grupal) para adolescentes e adultos. Trata de questões como ansiedade, depressão, autoestima, traumas, criatividade e transtornos (TOC, misofonia e acumulação), propiciando insights profundos e libertadores.

A Psique & Descobertas oferece cursos, palestras e workshops sobre psicologia, saúde mental e sua relação com arte, cultura e sociedade. Para mais informações à respeito de valores e agendamentos, entre em contato pelo e-mail psiqueedescobertas@gmail.com ou pelo WhatsApp: 41 999967560.


REFERÊNCIAS JUNG, Carl G. O homem e seus símbolos. 2ª edição, Rio de janeiro, Nova Fronteira, 2008.

MARTINS, Paulo Henrique. A Sociologia de Marcel Mauss: Dádiva, Simbolismo e Associação. Revista Crítica de Ciências Sociais, n 73, páginas 45 a 66, 2005.

MAUSS, Marcel, 1988 [1950], "Introdução à obra de Marcel Mauss", Ensaio Sobre a Dádiva (trad. A. Marques), Lisboa, Edições 70, 1-45. LÉVI-STRAUSS, Claude, 1989a [1958], Antropologia Estrutural (trad. C. Katz), Rio Janeiro, Edições Tempo Brasileiro.

Documentário “El Ojo de Dios” https://www.youtube.com/watch?v=m4Je6eZoRac

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